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26 de Abril de 2024

O acesso a medicamentos de alto custo: uma luz no horizonte?

Publicado por Jordão Horácio
há 8 anos

Em 11 de junho de 2015, durante a XXXVII Reunião de Ministros da Saúde do MERCOSUL, definiu-se que o acesso universal a medicamentos é uma prioridade para os países da região, e que não se pode aceitar que práticas comerciais abusivas, e até mesmo extorsivas, da indústria de medicamentos que sobreponham a interesses de saúde pública.

Na ocasião, acordou-se na criação de um grupo de trabalho que irá analisar mecanismos que viabilizem a criação de uma plataforma para a compra conjunta de medicamentos de alto custo. A idéia é aumentar o poder de negociação com a indústria farmacêutica e, com isso, reduzir os preços.

Representantes de países do bloco ainda vão definir quais os primeiros produtos que serão alvo da nova estratégia, mas entre os candidatos mais fortes para integrar essa iniciativa estão remédios para tratar doenças raras - drogas geralmente de custo altíssimo usadas por um número pequeno de pacientes em cada região. Não está definida ainda a forma como a compra conjunta de medicamentos será feita. Mas há três propostas em avaliação. A mais simples seria reforçar um mecanismo que já é usado pelos países, o Fundo Rotatório e o Fundo Estratégico da Organização Pan-Americana de Saúde. Por meio desses fundos, países já compram vacinas produtos usados para controle de endemias e alguns medicamentos.

Outra proposta avaliada é fazer licitações numa quantidade de medicamentos superior à demanda do país. Por meio desse mecanismo, outros países comprariam através da adesão ao contrato - uma espécie de "carona" na licitação brasileira. A terceira alternativa em análise é a assinatura de um acordo internacional entre países do MERCOSUL.

A iniciativa dos Ministros da Saúde do MERCOSUL, louvável diga-se de passagem, representa mais um marco na garantia do acesso universal a medicamentos, expressão maior da saúde como direito de todos, e dever do Estado, conforme positivado na Carta Magna de 1988. Representa, ainda, uma alternativa viável à crescente judicialização do acesso a medicamentos, em especial daqueles que não tem aprovação/registro pela ANVISA, o que compromete a sustentabilidade do sistema único de saúde, promovendo a iniqüidade e a injustiça social.

Nesse contexto, observa-se que o governo federal gastou, em 2014, R$ 838,4 milhões para cumprir decisões judiciais que determinavam, em sua maioria, a compra de remédios. A quantia corresponde ao orçamento anual do programa brasileiro de enfrentamento ao HIV. Para os próximos anos, a previsão de gastos é crescente, diante de uma nova geração de medicamentos, chamados de biotecnológicos, que começa a chegar no mercado, com resultados robustos e preços astronômicos. Cita-se, por exemplo, a nova classe dos chamados imuno-oncológicos, tais como o Ipilimumab e Nivolumab, cujo tratamento anual é estimado em mais de 300 mil reais por paciente.

Percebe-se, assim, um conflito entre as multinacionais farmacêuticas, detentoras dos direitos patentários, e os governos dos países em desenvolvimento, que se vêem compelidos judicialmente a fornecer tais tratamentos, que muitas vezes não possuem sequer eficácia comprovada pelas autoridades reguladoras.

A Indústria Farmacêutica sempre teve um grande destaque no que se refere ao lobby a favor da maior proteção dos direitos de propriedade intelectual, já que, de fato, até os idos da década de 1990, a grande maioria dos países em desenvolvimento ainda excluía os produtos farmacêuticos da proteção através de direitos de propriedade intelectual, com a justificativa pela necessidade pública de garantir a oferta de produtos essenciais, como é o caso dos medicamentos voltados à proteção da saúde. A big pharma, por sua vez, tem uma visão diferente do papel da proteção da propriedade intelectual em relação ao desenvolvimento nacional dos países. Sustentam que a propriedade intelectual é condição sine qua non para investimentos em pesquisa e desenvolvimento. A lógica é que sem patentes não existe exclusividade temporária; sem a garantia dessa exclusividade, os lucros diminuem (já que os fármacos e medicamentos poderiam ser facilmente copiadas através do processo de engenharia reversa); com a redução dos lucros, não há incentivos para investimentos em pesquisas que irão gerar novas medicamentos (já que pesquisas tecnológicas, especialmente no setor farmoquímico, custam caro e só trazem retorno em longo prazo).

Essa lógica até certo ponto é deveras perversa, pois é notório o fato de que as indústrias farmacêuticas não investem em medicamentos que não garantam lucros, uma vez que os investimentos na pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, ou no aperfeiçoamento dos mesmos, para as chamadas doenças negligenciadas têm sido praticamente nulos nas últimas décadas. Além do fato de que, uma grande parte de tudo o que se ganha com a venda de remédios é reinvestido em ações de marketing, a maioria destinada à classe médica.

O Brasil vem, historicamente, liderando negociações multilaterais no propósito de defender que o atual sistema internacional de propriedade intelectual seja mais bem adaptado às necessidades e interesses dos países em desenvolvimento. Ao fazê-lo, o país tem ressaltado que a propriedade intelectual não é tema associado exclusivamente ao comércio, mas também à saúde pública e aos direitos humanos. O país foi, inclusive, fundamental para a aprovação da Estratégia Global sobre Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual da Organização Mundial da Saúde.

Lembremos, assim, de Jonas Edward Salk, um virologista e epidemiologista estadunidense, mais conhecido como o inventor da primeira vacina antipólio (a epônima vacina Salk). Ao descobrir a vacina para poliomielite em abril de 1955, e ser ingadado se a patentearia, cunhou a máxima: “A quem pertence minha vacina? Ao povo! Você pode patentear o Sol?”. Considerou-a, assim, como sendo um bem público universal, que assim como o Sol, não poderia ser objeto de proteção, via direito de propriedade intelectual, uma vez que seus benefícios deveriam alcançar a todos, sem nenhuma restrição.

Ainda que a visão humanista e cética em relação ao valor do sistema de patentes de Jonas Salk não tenha predominado no âmbito do sistema internacional da propriedade intelectual, a iniciativa dos países do MERCOSUL de buscarem mecanismos alternativos que garantam o acesso a medicamentos de alto custo, representa um marco na cooperação internacional sul-sul. Desvela também a capacidade dos países em desenvolvimento de se indignarem, diante da lógica pervesa do mercado farmacêutico, que permite que pessoas venham a padecer diante de pústulas cientificamente curáveis, simplesmtente por não terem o poder aquisitivo suficiente para financiarem seus tratamentos.

Jordão Horácio é advogado, especialista em Direito Internacional, mestre e doutorando em Saúde Global e Sustentabilidade.

(Notícia publicada originalmente no jornal Diário da Manhã, em 06/08/2015. Disponível em: http://www.dm.com.br/opiniao/2015/08/o-acesso-medicamentos-de-alto-custo-uma-luz-no-horizonte.html)

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